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A cidade de Montemor-o-Novo tem origem no seu castelo, local da primitiva urbe. As primeiras referências escritas ao local datam de 1181. No entanto, só em 1201 é definitivamente conquistado para a coroa portuguesa por D. Sancho I, que lhe vem a conceder o primeiro foral em 1203. Este documento foi renovado por D. Manuel I em 1503. A importância desta povoação é novamente reconhecida por D. Sebastião em 1563, altura em que lhe concede o título de Vila Notável.
Montemor-o-Novo teve um importante papel no combate à invasão castelhana em 1580 e manteve esta atitude de resistência durante a primeira invasão francesa, comandada por Junot, em 1808. Durante a guerra civil (1832-1834), a cidade acolheu o estado maior do exército liberal, comandado pelo Duque de Saldanha. Já no séc. XX, os montemorenses tiveram uma atitude de resistência e combate ao regime ditatorial de Salazar, que é relembrada por José Saramago na obra Levantado do Chão. Por fim, em 1988, ascende a cidade por concessão da Assembleia da República.
O Percurso Pedestre Germano Vidigal e José Adelino dos Santos visita os locais mais expressivos das tragédias dos assassinatos de Germano Vidigal e de José Adelino dos Santos, os dois únicos personagens da obra Levantado do Chão que mantêm o nome original, e os dois a quem José Saramago dedica a sua obra desde a primeira edição.
No concelho de Montemor-o-Novo, ao longo dos quarenta e oito anos da ditadura fascista, foram presos, torturados e perseguidos centenas de trabalhadores, maioritariamente militantes do PCP, mas também outros democratas, e foram assassinados dois militantes do PCP, Germano Vidigal, a 20 de maio de 1945, e José Adelino dos Santos, a 23 de junho de 1958.
Designação:
Percurso Pedestre
Nome:
Germano Vidigal e José Adelino dos Santos
Coordenadas:
38°38’38”N 8°12’38”W (Rua do Matadouro, início de Percurso)
Freguesia:
União das Freguesias de Nossa Senhora da Vila, Nossa Senhora do Bispo e Silveiras
Concelhos:
Montemor-o-Novo
Acessos:
Rua do Matadouro – Largo Prof. Dr. Banha de Andrade – Rua D. Sancho I – Rua Dom Vasco – Rua da Condessa de Valença – Rua do Quebra Costas – Rua Germano Santos Vidigal – Largo Joaquim Pedro Matos – Terreiro de São João de Deus – Rua Teófilo de Braga – Largo dos Paços do Concelho – Largo Alexandre Herculano – Rua do Passo – Rua 5 de Outubro – Rua de Aviz – Avenida Gago Coutinho – Rua de São Francisco
Para o Percurso temático 2: Montemor-o-Novo – EN114 – Évora
Tipo:
Pedestre
Distância:
2,5 Km
Duração média:
3 horas
Tipo de caminho:
Urbano
Sinalizado:
Sim
Proprietários:
Caminhos públicos
Contactos úteis:
Câmara Municipal 266 898 100 Posto de Turismo 266 898 103
Arquivo Municipal 266 898 100
Contactos de emergência:
GNR: 266 898 050
Bombeiros 266 899 180
Centro de Saúde: 266 898 900
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Junto à Rua do Matadouro, no antigo Rossio, o viajante encontra a Praça de Touros.
Foi nesta praça que foram encarcerados os cerca de mil e quinhentos trabalhadores rurais que participavam nas manifestações de 20 de maio de 1945. Entre a multidão, estava Germano dos Santos Vidigal (1913-1945), presidente do Sindicato da Construção Civil e dirigente da organização comunista local, que foi escolhido para dar o exemplo extremo da brutalidade da repressão fascista, sendo assassinado depois de dezassete dias de tortura.
A gente vai falando para passar o tempo, ou para não deixar que ele passe, é um modo de pôr-lhe a mão no peito e dizer, ou suplicar, Não andes, não te movas, se dás esse passo pisas-me, que mal é que eu te fiz. É também como baixar-me, pôr a mão na terra e dizer-lhe, Para, não gires, ainda quero ver o sol. Está-se nisto, neste jogar as palavras umas para cima das outras, a ver se nascem diferentes, e ninguém reparou que o neto desceu à praça e procura um homem, um só neste momento, que não é sequer leão de foice nem veio de longe, e esse homem, se lhe dessem um caderno para escrever o que sabe, e, como virão a fazer no dia seguinte os quatro de Monte Lavre, Escoural, Safira e Torre da Gadanha, pusesse na primeira linha dele ou em todas, para não haver dúvidas e não mudar uma pessoa de ideias de página para página, se pusesse o seu nome, digo, escreveria Germano dos Santos Vidigal por inteiro. Já o encontraram. Levam-no dois guardas, para onde quer que nos voltemos não se vê outra coisa, levam-no da praça, à saída da porta do setor seis juntam-se mais dois, e agora parece mesmo de propósito, é tudo a subir, como se estivéssemos a ver uma fita sobre a vida de Cristo, lá em cima é o calvário, estes são os centuriões de bota rija e guerreiro suor, levam as lanças engatilhadas, está um calor de sufocar, alto.
(Saramago, 2014, p.174-5)
O assassinato de Germano Vidigal, no ano de 1945, surge no rescaldo da grande agitação social vivida na época da Segunda Guerra Mundial, provocada pela forte crise económica que assolou o país. O povo e os trabalhadores portugueses viviam privados dos bens mais básicos como o pão ou o toucinho, que eram enviados em enormes quantidades pelo governo de Salazar para alimentar as tropas nazis. Esta crise severa levou à intensificação da revolta popular que, desde a década de 40, assume contornos políticos revolucionários. Para tal, muito contribuiu a reorganização do Partido Comunista Português em 1940-1, o qual exerceu uma grande influência sobre a classe trabalhadora na consciencialização e na reivindicação, através da imprensa clandestina, como O Camponês ou o Avante – que passaram a ter uma publicação regular a partir de então –, entre outras pequenas publicações. Contribuíram, também, a estação clandestina Rádio Moscovo, que desde 1930 passou a realizar as suas transmissões em língua portuguesa, e, sobretudo, os encontros clandestinos que promoviam a organização e mobilização das massas para a luta reivindicativa.
A vitória dos Aliados sobre o regime nazi-fascista trouxe algum alento ao povo, que se manifestou aos milhares pelas vilas e aldeias, em marchas da fome. Em Montemor-o-Novo, recordemos, a título de exemplo, uma concentração de setecentos camponeses que reivindicavam melhores salários, pão e toucinho, junto à Casa do Povo, em abril de 1945. A 20 de maio do mesmo ano, mais de dois mil trabalhadores entregam um caderno reivindicativo, junto à Casa do Povo e Grémio da Lavoura. A repressão do regime à crescente resistência dos trabalhadores do concelho não se fez tardar. No dia seguinte, cerca de mil e quinhentos homens e mulheres foram presos na Praça de Touros de Montemor-o-Novo. (cf. Fonseca, 1987, p.93).
António Gervásio, um montemorense que em 1945 aderira ao PCP, recorda, numa brochura intitulada A História do Nascimento do PCP em Montemor-o-Novo, o plenário de trabalhadores convocado pelo partido em maio desse ano, em que se encontraram mais de 30 trabalhadores durante a noite, num descampado perto de Nossa Senhora da Visitação. Esta ação mobilizou mais de mil pessoas que reclamaram pão e trabalho, junto ao posto da GNR. O comandante do posto, o tenente Pessoa, sugeriu que os manifestantes se deslocassem à Praça de Touros para melhor dialogarem e estes, segundo Gervásio, foram sem oposição. Uma vez lá dentro foram trancados e já não puderam sair, havia sido um embuste daquele tenente. (cf. Gervásio, 2013).
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O viajante segue o percurso pedestre pela Rua do Matadouro e à direita toma a Rua D. Sancho I. Depois contorna o Largo Dr. Banha de Andrade até encontrar o Centro de Etnologia – Museu Local de Montemor-o-Novo.
Fazendo uma pausa no trágico caminho de Germano Vidigal, o viajante é convidado a entrar no tempo histórico da obra, podendo ver reunidos, no mesmo espaço, uma mostra do património cultural material e imaterial do povo alentejano no séc. XX, como as ferramentas dos trabalhos rurais, respeitantes a algumas profissões já extintas ou em vias de extinção. Este património foi recolhido pelo Rancho Folclórico e Etnográfico Montemorense e Ranchos Folclóricos do Ciborro, Cortiçadas de Lavre e Foros de Vale Figueira.
Que os trabalhos de homem são muitos. Já ficaram ditos alguns e outros agora se acrescentam para ilustração geral, que as pessoas da cidade cuidam, em sua ignorância, que tudo é semear e colher, pois muito enganadas vivem se não aprenderem a dizer as palavras todas e a entender o que elas são, ceifar, carregar molhos, gadanhar, debulhar à máquina ou a sangue, malhar o centeio, tapar palheiro, enfardar a palha ou o feno, malhar o milho, desmontar, espalhar o adubo, semear cereais, lavrar, cortar, arrotear, cavar o milho, tapar as craveiras, podar, argolar, rabocar, escavar, montear, abrir as covatas para estrume ou bacelo, abrir valas, enxertar as vinhas, tapar a enxertia, sulfatar, carregar as uvas, trabalhar nas adegas, trabalhar nas hortas, cavar a terra para os legumes, varejar a azeitona, trabalhar nos lagares de azeite, tirar cortiça, tosquiar o gado, trabalhar em poços, trabalhar em brocas e barrancos, chacotar a lenha, rechegar, enfornar, terrear, empoar e ensacar, o que aqui vai, santo Deus, de palavras, tão bonitas, tão de enriquecer os léxicos, bem-aventurados os que trabalham, e que faria então se nos puséssemos a explicar como se faz cada trabalho e em que época, os instrumentos, os apeiros, e se é obra para homem ou para mulher e porquê.
(Saramago, 2014, p.95-6)